Epopeias de uma nação mentalmente marasmada produzidas sem a censura do horário nobre imposta pela sociedade.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Arféria dos Tolos

Parvos me rodeiam, sempre esperando a oportunidade, a melhor hora, o momento mais propício ao bote. Nada lhes interessa senão apenas arrancar pedaços, tomar o que tenho, o que conquistei com tanta peleja. Os troféus arduamente conquistados com o sangue do trabalho, sob a estafa das tarefas, com os dons que me foram atribuídos, com o ódio que engoli, a incerteza que superei, a confiança que tive inutilmente... troféus que amargam minha memória, que me fazem entrar em desespero a cada momento que atormentam-me com suas sombras de martírio.
Ninguém está por perto, exceto os parvos, babando, sorrindo malevolamente e já sentindo o gosto do meu sangue em suas bocas, a oscularem-me com toda a hipocrisia abraamicamente proposta a Iscariotes, tido como traidor sem uma declaração, conhecido por sua falsidade e ganância, tido como um Cristo na saga do próprio... a dor sentida, as razões, ninguém sabe, ninguém nunca perguntou... Apenas o ódio tomou a todos, o espancamento lhes sacia, a violência alimenta suas feras interiores, que agora me perseguem, não nos mesmos veículos, mas em novos, renovados, evoluídos, mas instintivos como os antecedentes.
Sou um Judas do tempo de hoje, um entre milhões, que sacrifica-se diariamente para não ser enforcado... mas diariamente o é. Sem dó, sem pena, sem chance de manifesto, estar pendurado pelo pescoço entre tantos outros, pingando sangue pela boca na terra seca, sofrida e quebradiça como minha pele, que agora não mais respirará, não mais viverá. Apenas servirá de alimento aos corvos, enquanto eu balançar pela vontade do vento, que joga terra em mim, como se quisesse rasgar minha carne, levar o cheiro do meu sangue e os ecos do meu desespero para que mais corvos possam confraternar no novo banquete, que ainda estrebucha um sopro de vida, luta contra as cordas da imposição, que se debate para espantar os acapelados corvos que bicam, sobrevoam, rodeiam e gritam como quem tem pressa. Uma pressa insana, mais de ver a morte do que de matar a fome, pois a morte sacia por pouco tempo, e a fome já foi saciada sobre outra carcaça pendurada ao meu lado, que habitava uma consciência de gênio, mas foi desperdiçada no braçal sofrimento do submundo cruel e disfarçadamente escravocrata, em que a chibata esfola o bolso, a dignidade, o futuro. Um futuro sem esperança de que haja carne que não seja magra, onde não hajam árvores com frutos de carcaça humana, onde os esquecedores relembrem os esquecidos, onde ao menos um Judas seja ouvido.

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